As vítimas do pior desastre ambiental da história do Brasil comemoram hoje, após uma decisão histórica garantir que a gigante de mineração BHP, empresa constante no índice FTSE 100 da bolsa de valores, finalmente enfrentará seu dia de acerto de contas nos tribunais ingleses.
Maior processo inglês de todos os tempos
Mais de 200.000 autores foram contemplados com uma decisão permitindo que prosseguissem com o maior processo da história da Inglaterra contra a BHP, uma das maiores empresas do mundo, por seu envolvimento no rompimento da barragem de Mariana.
O rompimento da barragem, que mantinha resíduos tóxicos de mineração, mudou o curso da vida dos autores para sempre.
Mas agora eles estão um passo mais perto da justiça, depois que a Corte de Apelação proferiu seu julgamento unânime afirmando a competência dos tribunais ingleses para julgar a ação; – garantindo que a BHP terá que prestar contas sobre o seu papel no desastre de 2015.
Decisão do Tribunal de Apelação
Em um julgamento unânime de 107 páginas, a Corte de Apelação garantiu a centenas de milhares de brasileiros a possibilidade de finalmente ver justiça pelo desastre causado.
O tribunal decidiu: “A grande maioria dos autores que foram compensados por danos só receberam quantias muito modestas em relação a danos morais por interrupção do fornecimento de água.
“As reinvindicações nesta ação já têm três anos e a única razão pela qual não avançaram substantivamente é o atraso causado pelos pedidos que foram feitos pelas Rés.
“Nossa conclusão é simplesmente que os recursos disponíveis no Brasil não são tão obviamente adequados que possa ser considerado desnecessário e dispendioso prosseguir com o processo [na Inglaterra].
“Há uma perspectiva realista de um julgamento que produza uma vantagem real e legítima para os autores, de forma a superar as desvantagens para as partes em termos de despesa e o interesse público mais amplo em termos de recursos judiciais.
“Os autores devem ser autorizados agora a prosseguir com a ação.”
O desastre da barragem de Mariana
A BHP é a controladora da BHP Brasil, que era dona e operava, juntamente com a Vale, a barragem de Fundão, em Mariana, que rompeu em 5 de novembro de 2015 despejando cerca de 40 milhões de metros cúbicos de resíduos tóxicos de mineração ao longo de 700km de hidrovias ao longo do rio Doce, matando 19 pessoas e obliterando tudo em seu caminho.
O rompimento da barragem resultou em aldeias sendo enterradas, milhares de desabrigados, e fazendas, reservas de pesca e meios de subsistência sendo destruídos por resíduos tóxicos, contendo metais pesados como arsênico, mercúrio, níquel e alumínio, e contaminando tudo em seu caminho, incluindo o abastecimento de água.
Torrentes de água poluída e lama correram por 700km, mais do que o equivalente à distância entre Londres e Edimburgo, e no Oceano Atlântico, custando um estimado de mais de 2,5 bilhões de Libras em danos na biodiversidade da região e deixando efeitos que ainda estão sendo sentidos até hoje.
No entanto, mais de seis anos depois, as vítimas não receberam justiça ou compensação integral e justa das empresas envolvidas.
Representantes das comunidades indígenas Krenak, prefeitos locais, procuradores-gerais e outros autores que foram afetados pelo desastre viajaram para Londres em abril para participar da audiência de seu caso no Tribunal de Apelação e agora reagiram à decisão histórica.
Relato de vítima do rompimento da barragem de Fundão
O morador de Yorkshire Jonathan Knowles, que perdeu sua casa, negócios e meios de subsistência no Brasil como resultado do colapso da barragem, disse:
“É difícil colocar em palavras o que o sucesso deste caso significa para as vítimas do desastre. Nós, juntamente com tantos outros, perdemos a vida inteira – a forma como vivemos, a forma como ganhamos dinheiro, a maneira como comemos e bebemos.
“Ver este caso dar frutos e receber dinheiro suficiente para um depósito, para começar de novo, corretamente, é tudo o que ousamos esperar.
“Desde o dia em que soubemos que a barragem estava desmoronando, tem sido sobre sobrevivência. As empresas envolvidas só insultaram nossa inteligência com seus esforços. Eu não podia mais confiar que a casa que construímos e a vida que levamos seria segura para meu filho e esposa.”
Os autores, representados pelos litigantes ambientais globais PGMBM, buscam compensação integral pelas perdas sofridas após o rompimento da barragem no estado de Minas Gerais.
Os reclamantes incluem mais de 200.000 indivíduos, 530 empresas, 145 membros de comunidades indígenas, 25 municípios e 15 instituições religiosas.
Comentários do PGMBM
O sócio administrador Tom Goodhead disse: “Este é um julgamento monumental que significa que as vítimas do pior desastre ambiental já visto no Brasil estão um passo mais perto da justiça.
“A BHP é uma multinacional que gera enormes lucros nas regiões onde atua, e é justo que sejam responsabilizados diretamente no Reino Unido. Os dias de grandes corporações fazendo o que querem em países do outro lado do mundo e se safando disso acabaram.
“Este é um grande passo não apenas para garantir justiça para nossos clientes, mas também enviar uma mensagem mais ampla para grandes empresas multinacionais de que eles não podem executar grandes operações em países ao redor do mundo – e depois se esconder atrás de suas subsidiárias quando as coisas dão errado.
“É hora de a BHP parar de atrasar a justiça e fazer a coisa certa.”
Recebendo o julgamento, o sócio fundador do PGMBM, Harris Pogust, rebateu a última tentativa de “lavagem verde” (“greenwashing”) da BHP. Ele disse:
“Na semana passada, para uma grande fanfarra, a BHP estabeleceu suas metas de valor social e como eles vão deixar o mundo um lugar melhor. Foi o melhor exemplo de lavagem verde corporativa que eu já vi. Não é preciso dizer que esses compromissos “sociais e ambientais” não valem o papel em que estão escritos até que seja garantida justiça real às vítimas do desastre da barragem de Mariana pela miséria e desespero que sofreram nas mãos da BHP.
“Até hoje os efeitos do desastre estão sendo sentidos em Minas Gerais e no Espírito Santo. O rio ainda está contaminado, as pessoas ainda estão desabrigadas, não podem mais cultivar e não podem mais beber da água.
“Toda vez que o rio inunda em períodos de chuva forte os metais tóxicos dos resíduos de minério de ferro continuam contaminando a terra, estradas e casas das pessoas que vivem perto do rio. É por isso que este caso é tão importante e por isso estamos muito felizes que a Corte tenha dado permissão para que ele prossiga.”
O PGMBM entrou com a ação na Inglaterra em 2018 e, em julho do ano passado, ganhou o direito de reabrir o caso por meio de um julgamento histórico após uma decisão anterior negando a jurisdição dos tribunais ingleses para ouvir o caso. A decisão de primeira instância que nega a jurisdição foi reexaminada em recurso pela Corte de Apelação durante os cinco dias de audiência em abril de 2022.