16 de agosto de 2021
16 de agosto de 2021

Responsabilidade das empresas por danos ambientais: considerações sobre o modelo brasileiro

Em países com grande potencial ambiental, é comum que os recursos naturais se tornem uma das principais fontes de renda nacional por meio de investimentos públicos e privados. Nesse cenário, o Brasil é uma nação referência no assunto: além de ser um dos países com maior diversidade de ecossistemas do mundo, o uso desses recursos tem um efeito considerável no PIB do país, por ser uma das principais zonas de exploração econômica.[1]

Entretanto, os efeitos relacionados à exploração dos recursos naturais não se limitam à geração de riqueza. A preocupação meramente utilitarista com o meio ambiente, combinada com o comportamento intencional e negligente baseado na impunidade das grandes empresas, resultou em uma série de tragédias que se espalharam para além do meio ambiente, causando danos permanentes à sociedade.

O Brasil tem sido palco de uma série de desastres ambientais de inegáveis proporções, a maioria deles causados por ações diretas ou omissões relevantes de grandes corporações. Um exemplo disso aconteceu com o pior "acidente" trabalhista do país: o rompimento da barragem em Brumadinho, em 2019.

Apesar de ter gerado efeitos irreversíveis e absurdamente significativos, esse desastre, que deve ser analisado como um delito grave, tanto do ponto de vista criminal quanto civil, demonstrou reiteradas (mal)práticas empresariais. Em novembro de 2015, a barragem de Fundão, em Mariana (MG), também entrou em colapso, sem contar as dezenas de barragens que atualmente correm o risco de rompimento.

O artigo 225 da Constituição é um dos mais importantes de todos os dispositivos da legislação brasileira sobre o tema. Além de tratar o meio ambiente como uma garantia e um direito de todos, explicita o dever do poder público de protegê-lo e de impor sanções àqueles que agirem contra ele. Para assegurar essa proteção legal, a legislação nacional prevê medidas preventivas e repressivas.

  1. Os mecanismos preventivos têm como objetivo evitar danos ao meio ambiente por meio da regulamentação de perigos previsíveis, solicitando compensação ao executor de uma ação de impacto por meio de medidas que buscam atenuar, se não extinguir, o dano que será gerado.
  2. As disposições repressivas visam, por outro lado, punir aqueles que causam danos ambientais, além de atuar em uma esfera psicológica ao criar um senso de limite e medo para o setor empresarial, pois traz punição a condutas degradantes.

Em nível infraconstitucional, a Lei 6.938/81, que representa a Política Nacional do Meio Ambiente, fornece as principais definições, regras e princípios a serem seguidos na atribuição de responsabilidade civil por danos ambientais. Tal lei atribui responsabilidade objetiva aos poluidores, o que decorre da teoria do risco integral aplicável ao direito ambiental no Brasil: independentemente da demonstração de dolo ou da legalidade da ação, se o dano for causado, há um dever automático de reparação.

O artigo 3º da referida lei conceitua o poluidor de forma extremamente abrangente, determinando que qualquer "pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental". Portanto, poluidores diretos ou indiretos devem ser considerados responsáveis, desde que o nexo causal seja demonstrado.

Sobre o tema, o Superior Tribunal de Justiça tem entendimento consolidado de que apenas a comprovação do nexo de causalidade entre a conduta e o dano é necessária para a configuração da responsabilidade civil. A decisão do Ministro Relator Min. Herman Benjamin no Recurso REsp 1071741/SP explica os limites:

"12. Para fins de investigação do nexo causal no dano urbano-ambiental e possível responsabilidade solidária, aqueles que o fazem, que não o fazem quando deveriam fazê-lo, que não se importam se o fazem, que se calam quando é seu dever denunciá-lo, que financiam quem o faz e que se beneficiam quando outros o fazem."

O rompimento das barragens em Mariana e Brumadinho - como fica a prestação de contas?

Em 2015, ocorreu o rompimento da barragem de mineração de Fundão, na região de Mariana, MG. A barragem era controlada pela Samarco, uma joint venture formada pela mineradora brasileira Vale S.A. e pela anglo-australiana BHP Billiton, que atuava como rejeito da atividade de mineração.

A tragédia teve efeitos devastadores. 39 municípios foram afetados pela lama, que depositou os rejeitos de minério em quase 700 km de rios da região.

  1. Foram registradas 19 mortes
  2. Mais de 600 pessoas perderam suas casas
  3. O ecossistema da margem do rio desapareceu
  4. O abastecimento de água foi suspenso, entre vários outros danos irreparáveis causados à natureza e à população.

No entanto, é importante ressaltar que a tragédia estava prevista e ocorreu devido à conduta comissiva dos agentes responsáveis. Em 2013, foi emitido um relatório sobre a barragem manifestando a necessidade de uma análise de ruptura, um plano de contingência em caso de acidentes e monitoramento geotécnico.

Dois anos depois, nenhuma das medidas previstas no relatório havia sido tomada e ocorreu o rompimento da barragem de Fundão.

Conforme explicado, a responsabilidade objetiva é aplicável em casos de danos ambientais, o que por si só geraria a obrigação de reparação pela Samarco, em conjunto com as empresas controladoras Vale e BHP Billiton.

Além disso, tais empresas também devem responder na esfera criminal, pois em diversas ocasiões foram verificadas condutas dolosas, como a emissão dos laudos, enquadrando-se, no mínimo, nos crimes dos artigos 33, 54 e 69-A da Lei de Crimes Ambientais.

Fundação Renova

No entanto, em mais uma ratificação da impunidade das grandes corporações, foi firmado um Termo de Transação e Ajustamento de Conduta ("TTAC") em uma das principais Ações Civis Públicas relativas à reparação dos danos causados pelo rompimento da Barragem de Fundão, que resultou na criação de uma 'fundação independente ou, como as empresas preferem alegar, a Fundação Renova'.

A fundação deveria supervisionar a realização das negociações e indenizações das vítimas. Dessa forma, o ônus dos danos causados foi transferido para uma terceira pessoa jurídica, eliminando as repercussões negativas das empresas responsáveis.

A Fundação Renova apenas dissipa a responsabilidade direta das empresas poluidoras, além de atuar de forma insatisfatória para os atingidos. Isso tem resultado na necessidade de as vítimas entrarem com ações judiciais em jurisdições estrangeiras para poderem pleitear uma reparação efetiva diretamente às empresas controladoras.

Depois do que aconteceu em Mariana, outra tragédia da mesma natureza, envolvendo uma das mesmas empresas brasileiras, ocorreu quatro anos depois. A barragem do Córrego do Feijão, em Brumadinho, também sob controle da Vale, rompeu-se, deixando mais de 200 mortos e 100 desaparecidos, além de danos ambientais de proporções ainda inestimáveis.

Com o rompimento da barragem em Brumadinho, o descaso com a barragem de Fundão ficou ainda mais evidente aos olhos do público.

Várias Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI) foram criadas para investigar o assunto, sendo a da Câmara dos Deputados de Minas Gerais a mais recente e conclusiva. O resultado foi a posterior apresentação de uma denúncia criminal contra a Vale, a TÜV SÜD (empresa de auditoria alemã) e os indivíduos diretamente envolvidos.

A acusação expôs documentos, como e-mails e mensagens de WhatsApp, que demonstram claramente a consciência de todos os réus sobre o rompimento iminente da barragem do Córrego do Feijão e sua decisão de "deixá-la ir".

Necessidade de mudança estrutural no Brasil

Considerando os resultados superficiais que os envolvidos em ambos os colapsos de barragens enfrentaram e a falta de reparação experimentada pelas vítimas até agora no Brasil, torna-se evidente a necessidade de uma mudança estrutural no sistema jurídico para que as instituições possam funcionar de acordo com o que propõem em tempo hábil.

A cultura das más práticas empresariais, aliada à impunidade decorrente da ineficiência do Judiciário brasileiro, contradiz a própria finalidade do Direito Comercial, que busca otimizar as atividades econômicas empresariais.

[1] Alice Aloisia Cruz e Elaine Aparecida Fernandes, Relação entre PIB e meio ambiente: abordagem da pegada ecológica (2013) 18 Rev. Des. Regional, Santa Cruz do Sul, 88 - 107

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